PENALIDADE PARA CONTRIBUINTE QUE IMPORTA MERCADORIA SUBFATURADA

Os Inspetores-Chefes das Alfândegas, em regra, quando suspeitam que o preço das mercadorias importadas esteja subfaturadas, lavram autos de infração e termo de apreensão de mercadorias impondo, em decorrência deste ato, a pena de perdimento dos bens, com base nos arts. 105, VI, do Decreto-Lei nº 37/66; 23, IV, § 1º, e 24, do Decreto-Lei nº 1.455/76; e 618 do Decreto nº 4.543/2002.

Os argumentos da Fazenda Nacional ao tentar aplicar a pena constante no art. 105 do Decreto-Lei nº 37/66 é que o subfaturamento é prática suficiente a ensejar a aplicação da pena de perdimento e que a multa administrativa mencionada na MP nº 2.158-35/01 não afasta a possibilidade de aplicação de outras penas.

A pena de perdimento de bens frente aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, bem como ao art.  112, IV, do CTN, é legal?

Para responder esta questão, temos, que de início, analisar os dispositivos que regulamentam a questão.

O art. 105 do Decreto-Lei nº 37/66 estabelece que:

“aplica-se a pena de perda da mercadoria: […] VI – estrangeira ou nacional, na importação ou na exportação, se qualquer documento necessário ao seu embarque ou desembaraço tiver sido falsificado ou adulterado (…)”

Além disto, o art. 23 do Decreto-Lei nº 1.455/76 estabelece que:

“consideram-se dano ao Erário as infrações relativas às mercadorias: […] IV – enquadradas nas hipóteses previstas nas alíneas “a” e “b” do parágrafo único do artigo 104 e nos incisos I a XIX do artigo 105, do Decreto-lei número 37, de 18 de novembro de 1966”.

Em contrapartida destes dispositivos retro mencionados, o art. 108 do Decreto-Lei nº 37/66 estabelece que:

“aplica-se a multa de 50% (cinquenta por cento) da diferença de imposto apurada em razão de declaração indevida de mercadoria, ou atribuição de valor ou quantidade diferente do real, quando a diferença do imposto for superior a 10% (dez por cento) quanto ao preço e a 5% (cinco por cento) quanto a quantidade ou peso em relação ao declarado pelo importador”.

Já o parágrafo único deste artigo estabelece que “será de 100% (cem por cento) a multa relativa a falsa declaração correspondente ao valor, à natureza e à quantidade”.

Complementando o constante no art. 108 do Decreto-Lei nº 37/66, o art. 88 da Medida Provisória nº 2.158-35/2001 estabelece que:

“No caso de fraude, sonegação ou conluio, em que não seja possível a apuração do preço efetivamente praticado na importação, a base de cálculo dos tributos e demais direitos incidentes será determinada mediante arbitramento do preço da mercadoria, em conformidade com um dos seguintes critérios, observada a ordem sequencial: I – preço de exportação para o País, de mercadoria idêntica ou similar; II – preço no mercado internacional, apurado: a) em cotação de bolsa de mercadoria ou em publicação especializada; b) de acordo com o método previsto no Artigo 7 do Acordo para Implementação do Artigo VII do GATT/1994, aprovado pelo Decreto Legislativo n o 30, de 15 de dezembro de 1994, e promulgado pelo 355, de 30 de dezembro de 1994, observados os dados disponíveis e o princípio da razoabilidade; ou c) mediante laudo expedido por entidade ou técnico especializado”.

“Parágrafo único: Aplica-se a multa administrativa de cem por cento sobre a diferença entre o preço declarado e o preço efetivamente praticado na importação ou entre o preço declarado e o preço arbitrado, sem prejuízo da exigência dos impostos, da multa de ofício prevista no art. 44 da Lei no 9.430, de 1996, e dos acréscimos legais cabíveis”.

Analisando estes dispositivos frente a regra inserta no art. 112, IV, do CTN, pela qual, em se tratando de dúvida quanto à natureza da penalidade aplicável ou à sua graduação, deve-se interpretar a lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, “da maneira mais favorável ao acusado” , como também, alicerçado nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, reiteradamente utilizados pelo Superior Tribunal de Justiça como orientadores da solução de conflitos normativos desse jaez, conclui que tendo o subfaturamento sido praticado tão-somente por falsidade ideológica (falsa declaração do preço efetivamente praticado na operação de importação), sem a utilização de qualquer falsidade material, o enquadramento correto da infração seria o parágrafo único do art. 108 do Decreto-Lei 37/66 e parágrafo único do art. 88 da MP 2.158-35/01, o que impede a aplicação da pena de perdimento da mercadoria importada, nos termos do inciso VI do art. 105 do Decreto-Lei nº 37/66.

Com efeito, a Segunda Turma do STJ já teve oportunidade de analisar caso em tudo semelhante ao presente, quando do julgamento do REsp 1.217.708/PR, Rel. Min. Mauro Campbell Marques (julgado em 14/12/2010, DJe 8/2/2011). Na oportunidade, discutindo-se a aplicação da pena de perdimento de mercadoria em razão de seu subfaturamento na declaração de importação, a Segunda Turma concluiu que:

“A conduta do impetrante, ora recorrido, está tipificada no art. 108 supracitado – falsidade ideológica relativa ao valor declarado (subfaturamento) -, o que afasta a incidência do art. 105, VI, do Decreto-Lei n. 37/66 em razão: (i) do princípio da especialidade; (ii) da prevalência do disposto no referido decreto sobre o procedimento especial previsto na IN SRF 206/2002; e (iii) da aplicação do princípio da proporcionalidade”.

Confira-se, por pertinente, a ementa do referido julgado:

“TRIBUTÁRIO. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. DECLARAÇÃO DE IMPORTAÇÃO. SUBFATURAMENTO DO BEM IMPORTADO. ART. 105, VI, DO DECRETO-LEI N. 37/66. PENA DE PERDIMENTO DO BEM. INAPLICABILIDADE. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. APLICAÇÃO DA MULTA DE 100% PREVISTA NO ART. 108, PARÁGRAFO ÚNICO, DA REFERIDA NORMA. PREVALÊNCIA DO DISPOSTO NA NORMA LEGAL SOBRE O TEOR DA NORMA INFRALEGAL (IN SRF 206/2002). 1. Discute-se nos autos a possibilidade de aplicação da pena de perdimento de bem quando reconhecida a falsidade ideológica na declaração de importação que, in casu, consignou valor 30% inferior ao valor da mercadoria (motocicleta Yamaha modelo YZFR1WL). 2. A pena de perdimento prevista no art. 105, VI, do Decreto-Lei n. 37/66 se aplica aos casos de falsificação ou adulteração de documento necessário ao embarque ou desembaraço da mercadoria, enquanto a multa prevista no parágrafo único do art. 108 do referido diploma legal destina-se a punir declaração falsa de valor, natureza ou quantidade da mercadoria importada. Especificamente no que tange à declaração falsa relativa à quantidade da mercadoria importada, a despeito do disposto no parágrafo único do art. 108 do Decreto-Lei n. 37/66, será possível aplicar-se a pena de perdimento em relação ao excedente não declarado, haja vista o teor do inciso XII do art. 618 do Regulamento Aduaneiro vigente à época dos fatos (Decreto 4.543/02). Nesse sentido: AgRg no Ag 1.198.194/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 25/05/2010. 3. O precedente supracitado determinou a aplicação da pena de perdimento de bem sobre o excedente não declarado no que tange à falsidade ideológica relativa à quantidade e, ainda, em caso de bem divisível. O caso dos autos, porém, trata de bem indivisível e não diz respeito à falsa declaração de quantidade, mas sim de subfaturamento do bem, ou seja, diz respeito ao valor declarado. 4. A conduta do impetrante, ora recorrido, está tipificada no art. 108 supracitado – falsidade ideológica relativa ao valor declarado (subfaturamento) -, o que afasta a incidência do art. 105, VI, do Decreto-Lei n. 37/66 em razão: (i) do princípio da especialidade; (ii) da prevalência do disposto no referido decreto sobre o procedimento especial previsto na IN SRF 206/2002; e (iii) da aplicação do princípio da proporcionalidade. 5. Recurso especial não provido. (REsp 1217708/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 14/12/2010, DJe 08/02/2011)”

Nessa mesma linha de entendimento, colhem-se os seguintes precedentes, também da Segunda Turma:

“RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. IMPORTAÇÃO. SUBFATURAMENTO. PENA DE PERDIMENTO. ART. 105, VI, DO DL 37/66. NÃO INCIDÊNCIA. HIPÓTESE SUJEITA A MULTA. ART. 108, PARÁGRAFO ÚNICO, DO DL 37/66. 1. A pena de perdimento, prevista no art. 105, VI, do Decreto-Lei 37/66, incide nos casos de falsificação ou adulteração de documento necessário ao embarque ou desembaraço da mercadoria, enquanto a multa prevista no parágrafo único do art. 108 do mesmo diploma legal destina-se a punir declaração inexata em seu valor, natureza ou quantidade da mercadoria importada. 2. Se a declaração de importação for falsa quanto à natureza da mercadoria importada, seu conteúdo ou quantidade, será possível aplicar, a par da multa, também a pena de perdimento em relação ao excedente não declarado, tendo em vista o que dispõe o inciso XII do art. 618 do Regulamento Aduaneiro vigente à época dos fatos (Decreto 4.543/02). […] 5. Agravo Regimental não provido. (AgRg no REsp 1341312/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 6/11/2012, DJe 8/3/2013) RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. IMPORTAÇÃO. SUBFATURAMENTO. PENA DE PERDIMENTO. ART. 105, VI, DO Documento: 42683482 – RELATÓRIO E VOTO – Site certificado Página 8 de 9 Superior Tribunal de Justiça DL 37/66. NÃO INCIDÊNCIA. HIPÓTESE SUJEITA À MULTA. ART. 108, PARÁGRAFO ÚNICO, DO DL 37/66. 1. A pena de perdimento, prevista no art. 105, VI, do Decreto-Lei 37/66, incide nos casos de falsificação ou adulteração de documento necessário ao embarque ou desembaraço da mercadoria, enquanto a multa prevista no parágrafo único do art. 108 do mesmo diploma legal destina-se a punir declaração inexata em seu valor, natureza ou quantidade da mercadoria importada. 2. Quando a declaração de importação é falsa quanto à natureza da mercadoria importada, seu conteúdo ou quantidade, será possível aplicar-se, a par da multa, também a pena de perdimento em relação ao excedente não declarado, tendo em vista o que dispõe o inciso XII do art. 618 do Regulamento Aduaneiro vigente à época dos fatos (Decreto 4.543/02). […] 5. Recurso especial não provido. (REsp 1242532/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/6/2012, DJe 2/8/2012)”.

Portanto, lastreado no posicionamento da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, no art. 112, IV, do CTN, bem como nos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, conclui que: caso o subfaturamento declarado pelo contribuinte tenha sido praticado tão-somente por falsidade ideológica (falsa declaração do preço efetivamente praticado na operação de importação), deverá incorrer na infração constante no parágrafo único do art. 108 do Decreto-Lei 37/66 e parágrafo único do art. 88 da MP 2.158-35/01 e não na pena de perdimento da mercadoria importada constante no inciso VI do art. 105 do Decreto-Lei nº 37/66.

A equipe de consultores do Grupo Ciatos se coloca à disposição para solucionar eventuais dúvidas.

Quer conhecer um pouco mais sobre o Grupo Ciatos?

Preencha o formulário abaixo que um dos Consultores Ciatos entrará em contato para agendar uma visita.

Últimas postagens
Categorias

Artigos relacionados

planejamento tributário
Tributário
Dr. Diego Garcia

ISSQN DAS SOCIEDADE UNIPESSOAIS

No presente artigo abordarei sobre  como economizar tributos por meio do ISSQN devido por sociedades unipessoais de narureza intelectual, científica, literária ou artística. As sociedades,

Leia mais »