A questão a ser respondida neste artigo é atual, pois diversos Estados, na sua sanha arrecadatória, têm adotado sanções políticas para constranger o contribuinte ao pagamento de tributos em atraso.
Dentre várias sanções políticas que os Estados têm se pautado, as mais usuais são o bloqueio da emissão de nota fiscal (suspensão da inscrição estadual) e a proibição de alteração contratual.
Certo é que, conforme será demonstrado neste artigo, que o Estado não pode adotar sanções políticas para constranger o contribuinte ao pagamento de tributos em atraso.
Inicialmente, cabe mencionar que o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do RE 565.048-RS, DJe 09/10/2014, submetido ao rito da repercussão geral, firmou o entendimento de que o Estado não pode adotar sanções políticas, que se caracterizam pela utilização de meios de coerção indireta que impeçam ou dificultem o exercício da atividade econômica para constranger o contribuinte ao pagamento de tributos em atraso, estando o ente público vinculado ao procedimento de execução fiscal para a cobrança de seus créditos, no qual é assegurado ao devedor o devido processo legal, cujo julgamento foi sintetizado nos termos da seguinte ementa:
TRIBUTO – ARRECADAÇÃO – SANÇÃO POLÍTICA. Discrepa, a mais não poder, da Carta Federal a sanção política objetivando a cobrança de tributos – Verbetes nº 70, 323 e 547 da Súmula do Supremo. TRIBUTO – DÉBITO – NOTAS FISCAIS – SANÇÃO POLÍTICA – IMPROBIDADE. Consubstanciada sanção política visando o recolhimento de tributo condicionar a expedição de notas fiscais a fiança, garantia real ou fidejussória por parte do contribuinte. Inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 42 da Lei nº 8.820/89, do Estado do Rio Grande do Sul.
No voto, o Relator Ministro Marco Aurélio fez comentário que cabe mencionar:
No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 173, relator ministro Joaquim Barbosa, em 25 de setembro de 2008, fiz ver a natureza do princípio constitucional implícito da proibição do exercício de coação política para haver o recolhimento do tributo. Consignei a absoluta ilegitimidade dessa prática fazendária sob a égide de uma Carta democrática, como a de 1988. A incompatibilidade é flagrante ante a restrição desarrazoada à liberdade fundamental de exercício de atividades profissionais e econômicas. Viola o devido processo legal, haja vista o Fisco utilizar instrumentos oblíquos para coagir o contribuinte ao pagamento do tributo. Nessa ação direta, o Supremo, por unanimidade, confirmou jurisprudência histórica quanto à inconstitucionalidade das sanções políticas por afronta ao “direito ao exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas (artigo, 170, parágrafo único, da Constituição) ” e “violação ao devido processo legal substantivo (falta de proporcionalidade e razoabilidade de medidas gravosas que se predispõem a substituir os mecanismos de cobrança de créditos tributários) ”. Prevaleceu a óptica revelada nos Verbetes nº 70, 323 e 547 da Súmula do Supremo: […] (g.n.)
O Ministro Joaquim Barbosa mencionou que:
Senhores Ministros, esta Suprema Corte tem uma venerável série de precedentes que consideram inconstitucionais quaisquer instrumentos de indução indireta, por sacrifícios de direitos fundamentais, destinados a levar o sujeito passivo ao recolhimento do valor do tributo que se supõe devido. As chamadas sanções políticas são absolutamente incompatíveis com a Constituição. (g.n.)
Por fim, Ministro Celso de Mello constou que:
O fato irrecusável, nesta matéria, como já evidenciado pela própria jurisprudência desta Suprema Corte, é que o Estado não pode valer-se de meios indiretos de coerção, convertendo-os em instrumentos de acertamento da relação tributária, para, em função deles – e mediante interdição ou grave restrição ao exercício da atividade empresarial, econômica ou profissional –, constranger o contribuinte a adimplir obrigações fiscais eventualmente em atraso. […] Em suma: a prerrogativa institucional de tributar, que o ordenamento positivo reconhece ao Estado , não lhe outorga o poder de suprimir (ou de inviabilizar) direitos de caráter fundamental constitucionalmente assegurados ao contribuinte, pois este dispõe, nos termos da própria Carta Política , de um sistema de proteção destinado a ampará-lo contra eventuais excessos cometidos pelo poder tributante ou, ainda, contra exigências irrazoáveis veiculadas em diplomas normativos por este editados. (g.n.)
A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no RMS 53.989-SE, cujo Relator foi o Ministro Gurgel de Faria, por unanimidade, julgado em 17/04/2018, DJe 23/05/2018, em sintonia com o entendimento do Supremo Tribunal Federal retro mencionado, entendeu que o Estado não pode adotar sanções políticas para constranger o contribuinte ao pagamento de tributos em atraso.
No caso analisado pelo S Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no RMS 53.989-SE, o contribuinte impetrou mandado de segurança com o objetivo de cancelar inscrição de seu nome comercial em cadastro de inadimplentes perante a Fazenda Estadual, que o enquadrou na situação de “contribuinte inapto”. Com base na legislação estadual de regência, essa classificação não representa mero “diferencial terminológico” a orientar o trabalho da fiscalização, uma vez que, notadamente no tocante às operações interestaduais, cujo o recolhimento do ICMS se realiza por meio de denominada “antecipação tributária”, traz consigo regra própria de responsabilização tributária para o transportador, procedimento diferenciado para recolhimento do imposto e até mesmo majoração direta da carga tributária, com o estabelecimento de maior percentual de margem de valor agregado em comparação com o contribuinte apto. Ponderados esses elementos, fica evidenciado que a inscrição de empresa no rol de contribuintes considerados inaptos pelo Fisco Estadual configura um meio de coerção indireta para cobrança dos débitos inscritos na dívida ativa, pois implica tratamento tributário diferenciado que dificulta o exercício da atividade econômica, inclusive com o indevido aumento da carga tributária, sendo, assim, clara a sanção política, não admitida pela Constituição Federal.
Posto isto, com base no precedente do Supremo Tribunal Federal (RE 565.048-RS) e da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (RMS 53.989-SE), cabe concluir que o Estado pode impedir alteração contratual de empresas contribuintes, bem como não pode impedir a emissão de notas fiscais (suspensão da inscrição estadual) como forma obrigar o contribuinte, com débitos de tributos em atraso, a pagar estes débitos.
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