No presente artigo será demonstrada, de forma sintética, a inconstitucionalidade da alínea “g.2” do inciso I do artigo 12 da Lei Estadual n° 6.753/75, regulamentado na alínea “c” do inciso I do artigo 42 do Regulamento do ICMS do Estado de Minas Gerais, por contrariar o inciso III do §2° do artigo 155 da Constituição da República/CR (princípio da seletividade), ao tributar o consumo de energia elétrica do contribuinte de Minas Gerais através na incidência da alíquota de imposto sobre circulação de mercadorias – ICMS no percentual de 30%.
Ainda, com base no mesmo alicerce constitucional, demonstrar a inconstitucionalidade da alínea “a” do inciso I do artigo 12 da Lei Estadual n° 6.753/75, que com base no item 10 da Tabela F desta lei, tributa o serviço de telecomunicação consumido pelo contribuinte de Minas Gerais através da incidência na alíquota de imposto sobre circulação de mercadorias – ICMS no percentual de 25%.
Inicialmente, antes de adentrar ao mérito do presente artigo, porém, não esgotando o tema, cabe ressaltar que o contribuinte tem legitimidade ativa para questionar a incidência do ICMS com alíquota majorada e pleitear a restituição do que pagou a maior na qualidade de consumidora final, vez que é quem arca com todo o ônus do valor do imposto, embutido nas contas de energia e telefone pagas às prestadoras de serviço.
Este posicionamento esta alicerçado na atual jurisprudência do c. STJ:
“PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ORDINÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – LEI EM TESE – INADMISSIBILIDADE – ICMS – ENERGIA ELÉTRICA – ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE COMO PEDIDO – IMPOSSIBILIDADE – PRINCÍPIO DA ESSENCIALIDADE – ALÍQUOTA – SELETIVIDADE – LEGITIMIDADE – AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA – INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. 1. O consumidor, como contribuinte de fato, é parte legítima para discutir da incidência do ICMS sobre os serviços de energia elétrica, na peculiar relação envolvendo o Estado-concedente, a concessionária e o consumidor (art.7º da Lei n. 8.987/95). Precedente desta Corte (REsp 1299303/SC, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/08/2012, DJe 14/08/2012). 2. Inviável a impetração de mandado de segurança contra lei em tese (Súmula 266/STF). 3. A declaração de inconstitucionalidade em mandado de segurança não pode figurar como pedido autônomo. Precedentes. 4. Para se aferir ofensa ao Princípio da Seletividade é imprescindível ampla e criteriosa análise das demais incidências e alíquotas previstas na legislação estadual. 5. Em mandado de segurança deve ser a prova pré-constituída, sendo incompatível com a dilação probatória. 6. Recurso ordinário em mandado de segurança não provido. (RMS 37.569/CE, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/06/2013, DJe 01/07/2013).”
No que diz respeito à legitimidade ativa especificamente do contribiuinte (consumidor de energia elétrica), a Primeira Seção do STJ, em recurso julgado sob a sistemática do art. 543-C, do CPC, pacificou o entendimento no sentido de que, diante do disposto na legislação disciplinadora das concessões de serviço público e da peculiar relação envolvendo o Estado (concedente), a concessionária e o consumidor, tem esse último legitimidade processual para questionar a incidência do ICMS sobre a energia elétrica, com fundamento no art. 7º, II, da Lei n. 8.987/95, não obstante as disposições do art. 166 do CTN, que veicula regra geral de legitimidade apenas ao contribuinte de direito.
Senão vejamos:
“RECURSO ESPECIAL. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. ART. 543-C CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. ENERGIA ELÉTRICA. INCIDÊNCIA DO ICMS SOBRE A DEMANDA “CONTRATADA E NÃO UTILIZADA”. LEGITIMIDADE DO CONSUMIDOR PARA PROPOR AÇÃO DECLARATÓRIA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO. – Diante do que dispõe a legislação que disciplina as concessões de serviço público e da peculiar relação envolvendo o Estado-concedente, a concessionária e o consumidor, esse último tem legitimidade para propor ação declaratória c/c repetição de indébito na qual se busca afastar, no tocante ao fornecimento de energia elétrica, a incidência do ICMS sobre a demanda contratada e não utilizada. – O acórdão proferido no REsp 903.394/AL (repetitivo), da Primeira Seção, Ministro Luiz Fux, DJe de 26.4.2010, dizendo respeito a distribuidores de bebidas, não se aplica ao casos de fornecimento de energia elétrica. Recurso especial improvido. Acórdão proferido sob o rito do art. 543-C do Código de Processo Civil. (REsp 1299303/SC, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/08/2012, DJe 14/08/2012).”
Portanto, cabe concluir que o consumidor final é legitimado ativo para questionar a incidência do ICMS com alíquota majorada e pleitear a restituição do que pagou a maior nas contas de energia e telefone pagas às prestadoras de serviço.
Finalizado esta primeira etapa, o qual conclui que o consumidor tem legitimidade para questionar e pleitear restituição de ICMS incidentes na energia elétrica e serviço de comunicação, passa ao tema principal deste artigo, que é demonstrar que a cobrança da alíquota de ICMS, de energia elétrica e telefonia, nos percentuais de 30% e 25% respectivamente são inconstitucionais por afrontar o inciso III do §2° do artigo 155 da Constituição da República/CR.
O caput do artigo 155 da Constituição da República estabelece que “compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(…)
II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;”
Já o parágrafo 2º deste artigo estabelece que o ICMS “poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços”.
Assim, entende-se que, com base nos dispositivos retro expostos, o ICMS é um tributo de natureza fiscal e extrafiscal, concomitantemente, porque constitui importante fonte de receita aos Estados (fiscal), ao mesmo tempo em que tem o objetivo de propiciar a aquisição de determinadas mercadorias (energia elétrica e comunicação), devido a sua essencialidade, aos consumidores, por um preço mais acessível (extrafiscal).
Nos termos do artigo 155, § 2º, inciso III, da Constituição Federal, conforme retro mencionado, o ICMS poderá ser seletivo em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços vendidos, por meio da redução das alíquotas do tributo estadual. A Constituição Federal, dessa forma, permite que os Estados e o Distrito Federal adotem a seletividade na cobrança do ICMS.
Entretanto, apesar da existência de alíquotas diferenciadas, o que se constata atualmente no Estado de Minas Gerais e outros é que esse princípio não é obedecido integralmente sob a alegação de não ser obrigatório e sim facultativo.
Para demonstrar, através de uma conclusão razoável, que a cobrança de ICMS sobre energia elétrica e comunicação em percentuais de alíquotas superiores a cobradas por outros produtos, deverá ser realizada de forma sistêmica, isto é, considerando: princípios, legislação constitucional e infraconstitucional frente ao seu objetivo/valor, interesse coletivo, interesse arrecadatório, método interpretativo do artigo, doutrina, jurisprudência, método comparativo de produtos e as limitações ao poder de tributar.
O dispositivo legal constitucional estabelece que o ICMS “poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços”. Já o dispositivo da Lei Estadual 6.763/75 (ICMS) de Minas Gerais estabelece que “o imposto poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços, conforme dispuser a lei”.
Numa interpretação literal destes dispositivos a conclusão seria que o Estado teria a faculdade de considerar que determinada mercadoria seria ou não seletiva em função da sua essencialidade, prezando pelo interesse arrecadatório e detrimento do interesse coletivo dos consumidores.
Ocorre que seria um contrassenso, contrariando o principio da razoabilidade e da hermenêutica, o Poder Constituinte autorizar o Estado a decidir o que é produto essencial ou não, pois, neste caso, o Estado afastaria o interesse coletivo em função do interesse arrecadatório sempre que necessitar caixa.
Além disto, se a intenção do legislador não fosse limitar o poder de tributar do Estado sobre produtos essenciais, não teria objetivo colocar o ICMS como seletivo, mantendo a regra geral dos outros tributos.
Certo é que a inclusão na Constituição Federal da garantia ao contribuinte de ser tributado de forma menos onerosa quando consumir produtos essenciais é uma limitação ao poder de tributar do Fisco, principio/valor estrutural norteador da norma de conduta de tributar.
Assim, se a interpretação deste dispositivo for literal, a limitação ao poder de tributar deixa de existir, visto que o Ente Público sempre prezará pelo interesse arrecadatório em detrimento do interesse coletivo (consumidor).
Nesta esteira, importante esclarecer que o termo “poderá” deve ser interpretado como “deverá”, porquanto a Constituição da República, ao traçar as regras do Sistema Tributário Nacional, não propõe recomendações as entes tributantes, mas sim estabelece determinações a eles (norma de estruturação). E em razão desta força cogente imiscuída à seletividade constitucional, que com ela inclusive se confunde, o ICMS deve, sempre, ser utilizado como um mecanismo de perseguição de objetivos que estão além do abastecimento do Erário (extrafiscal).
Numa análise pelo método comparativo, cabe concluir, que a legislação do ICMS do Estado de Minas Gerais considera que energia elétrica é tão essencial quanto bebidas alcoólicas. Além disto, considera que a energia elétrica é menos essencial que gasolina para fins carburantes, tributada no percentual de 29%, e que álcool, tributada no percentual de 14%. Ainda que comunicação é menos essencial que mercadorias em geral, inclusive cervejas (alínea d.2), que são tributadas com alíquota de 18%.
Portanto, numa análise comparativa, cabe concluir que é desproporcional e irrazoável o Estado tributar energia elétrica no mesmo percentual de bebidas alcoólicas e maior do que a tributação de mercadorias em geral.
Analisando a doutrina sobre a questão tem-se que a doutrina não é pacífica no que diz respeito à obrigatoriedade da aplicação do princípio da seletividade ao ICMS, porém, Roque Antonio Carrazza ensina que “este singelo “poderá” equivale, na verdade, a um peremptório “deverá”. Não se está, aí, diante de uma mera faculdade do legislador, mas de uma norma cogente, de observância obrigatória” (CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 12ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007.).
A Constituição da República, conforme retro mencionado, valoriza o ICMS, em algumas situações, como um instrumento extrafiscal, devendo as operações com mercadorias e prestações de serviços serem tributadas na medida inversa de sua essencialidade, de sua necessidade pela população. Seguem as palavras de Aliomar Baleeiro[9]sobre o tema:
“(…) a seletividade significa discriminação ou sistema de alíquotas diferenciadas por espécies de mercadorias, como adequação do produto à vida do maior número de habitantes do país. As mercadorias essenciais à existência civilizada deles devem ser tratadas mais suavemente, ao passo que as meiores alíquotas devem ser reservadas aos produtos de consumo restrito, isto é, supérfluo das classes de maior poder aquisitivo (…)”
A jurisprudência sobre a questão ainda é muito incipiente. Assim, pode fazer constar como precedente a favor do contribuinte, a Argüição de Inconstitucionalidade nº 2005.017.00027, proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, julgada em 27/03/2006, em que foi Relator o Des. Roberto Wider, o qual declarou a inconstitucionalidade do art. 14, VI, item “2”, e VIII, item “7”, do Decreto nº 27.427/2000, por ofensa aos princípios da seletividade e essencialidade.
Certo é que este assunto que vem ganhando relevância ultimamente e teve sua repercussão geral reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (“STF”) nos autos do Recurso Extraordinário nº 714.139, distribuído sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio Mello.
Posto isto, cabe concluir que:
1. o ICMS é um imposto de natureza fiscal (arrecadatório) e extrafiscal (dar acesso ao cidadão brasileiro a produtos essenciais), em razão do disposto no artigo 155, §2º, inciso III, da Constituição Federal, que prevê expressamente a necessidade do cumprimento do princípio da seletividade em razão da essencialidade da mercadoria;
2. O ato administrativo do Estado de Minas Gerais de tributar, na alíquota de 30%, alicerçado legalmente na alínea “g.2” do inciso I do artigo 12 da Lei Estadual n° 6.753/75, regulamentado na alínea “c” do inciso I do artigo 42 do Regulamento do ICMS do Estado de Minas Gerais, o consumo de energia elétrica pelo contribuinte é inconstitucional por ofensa ao artigo 155, §2º, inciso III, da Constituição Federal;
3. O ato administrativo do Estado de Minas Gerais de tributar, na alíquota de 35%, alicerçado legalmente na alínea “a” do inciso I do artigo 12 da Lei Estadual n° 6.753/75, que com base no item 10 da Tabela F desta lei, o consumo de telefonia pelo contribuinte é inconstitucional por ofensa ao artigo 155, §2º, inciso III, da Constituição Federal;
Por essa razão, os contribuintes do Estado de Minas Gerais (consumidores de energia e comunicação) podem buscar o Judiciário para obter uma tutela jurídica que limite o poder de tributar do Estado de Minas, ou seja, passem a recolher a alíquota geral de 18% em detrimento da de 30% e defira a restituição dos valores pagos pelo contribuinte nos últimos 5 anos.
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