O ESTADO DE MINAS GERAIS PODE AUMENTAR ALÍQUOTAS DE ICMS POR DECRETO?

No dia 1º de janeiro de 2016, passou a produzir efeitos o Decreto nº 46.859/2015, que revogou, a partir de Janeiro de 2016, a redução de alíquota de ICMS de diversos produtos que estavam sendo tributadas na alíquota de 12%, passando a partir 01/01/2016 a serem tributadas a 18%.

O novo decreto, que foi recebido com bastante surpresa e críticas pelo mercado, conforme retro mencionado, revoga as subalíneas “b.3”, “b.5”, “b.6”, “b.7”, “b.9”, “b.10”, “b.12”, “b.16”, “b.17”, “b.18”, “b.19”, “b.20”, “b.21”, “b.22”, “b.23”, “b.24”, “b.27”, “b.29”, “b.30”, “b.31”, “b.32”, “b.33”, “b.34”, “b.35”, “b.36”, “b.37”, “b.38”, “b.39”, “b.40”, “b.41”, “b.42”, “b.43”, “b.44”, “b.46”, “b.47”, “b.51”, “b.52”, “b.53”, “b.54”, “b.55”, “b.56”, “b.57”, “b.58”, “b.59” e “d.2” do inciso I e o § 27, do art. 42 do Regulamento do ICMS, aprovado pelo Decreto nº 43.080, de 13 de dezembro de 2002, acarretando, com isto, o aumento da alíquota de ICMS para estas mercadorias para 18%.

Várias críticas se voltam à inconstitucionalidade do decreto, pois. Segundo a posição de alguns tributaristas, este meio normativo não seria o meio legal hábil para restabelecer as alíquotas dos tributos. Além disto, alicerçado nesta tese, já começar haver alguns julgamentos favoráveis aos contribuintes de ICMS no Estado de Minas Gerais.

Dentre os vários produtos que passaram a ser tributos na alíquota de 18% de ICMS, podemos citar:

  1. máquinas, aparelhos e equipamentos industriais e máquinas, equipamentos e ferramentas agrícolas;
  2. tratores rodoviários para semi-reboques, classificados no código 8701.20.00, com exceção do caminhão-trator especial para transporte de minérios ou pedras; veículos classificados no código 8702.10.00; caminhões para transporte de mercadorias, com motor de pistão, de ignição por compressão, classificados na subposição 8704.2; caminhões para transporte de mercadorias, com motor de pistão, de ignição por centelha, classificados na subposição 8704.3; outros veículos automóveis para transporte de mercadorias, com motor de pistão, de ignição por centelha, com capacidade superior a 5 toneladas, classificados na subposição 8704.32; chassis com motor para ônibus e micro-ônibus, classificados no código 8706.00.10; e chassis com motor para caminhões, classificados no código 8706.00.90;
  3. produtos da indústria de informática e automação;
  4. móveis;
  5. fios e fibras, quando destinados a estabelecimento industrial para a fabricação de tecidos e vestuário;
  6. tecidos e subprodutos da tecelagem, nas operações realizadas entre estabelecimentos de contribuintes inscritos no Cadastro de Contribuintes do ICMS deste Estado;
  7. ferros, aços e materiais de construção relacionados na Parte 6 do Anexo XII, em operações promovidas por estabelecimento industrial;
  8. laje pré-fabricada, forma-lajes metálicas, pontes metálicas, elementos de pontes metálicas, pórticos metálicos e torres de transmissão metálicas;
  9. vasos sanitários e pias, inclusive bacia convencional, bacia com caixa de descarga acoplada, sanitário, caixa para acoplar, lavatório, coluna, lavatório e sua respectiva coluna, cuba, inclusive a de sobrepor;
  10. fios têxteis, linhas para costurar e subprodutos da fiação, nas operações destinadas a contribuinte inscrito no Cadastro de Contribuintes do ICMS;
  11. embalagens destinadas a estabelecimento de contribuinte inscrito no Cadastro de Contribuintes do ICMS, inclusive saco plástico para acondicionamento de lixo, promovidas por estabelecimento industrial ou por cooperativa de produtores rurais com destino ao produtor rural;
  12. telhas, exceto as cerâmicas;
  13. ladrilhos e placas de cerâmica para pavimentação ou revestimento, classificados nas posições 6907 e 6908 da NBM/SH;
  14. vidros planos, ainda que beneficiados, temperados ou laminados, classificados nas posições 70.03, 70.05, 70.06, 70.07 e 70.09 da NBM/SH;
  15. medicamentos, máquinas, equipamentos, aparelhos e instrumentos médico-hospitalares e material de uso médico, odontológico ou laboratorial, destinados a fornecer suporte a procedimentos diagnósticos, terapêuticos ou cirúrgicos, promovidas pelo estabelecimento industrial fabricante ou pelo distribuidor hospitalar, desde que destinados a distribuidor hospitalar ou a órgãos públicos, hospitais, clínicas e assemelhados não-contribuintes do imposto e a operadoras de planos de saúde para fornecimento a hospitais e clínicas;
  16. vestuário, artefatos de cama, mesa e banho, coberturas constituídas de encerados classificadas na posição 6306.19 da NBM/SH, subprodutos de fiação e tecelagem, calçados, saltos, solados e palmilhas para calçados, bolsas e cintos, promovidas pelo estabelecimento industrial fabricante com destino a estabelecimento de contribuinte inscrito no Cadastro de Contribuintes do ICMS.

Em decorrência dos diversos debates sobre este tema, o presente estudo tem o intuito de promover breves comentários quanto aos problemas, ilegalidade, inconstitucionalidade e contexto normativo do Decreto nº 46.859/2015.

Conforme demonstrará no decorrer deste artigo, esta majoração é ilegal, por ofensa ao inciso II, do art. 97 do Código Tributário Nacional – CTN e inconstitucional, por ofensa ao art. 150, inciso I da CR/88.

A CR/88 veda, com base no artigo 150, inciso I, que os entes tributantes, no caso o Estado de Minas Gerais, exija ou aumente tributo sem lei que o estabeleça. A exceção esta regra somente ocorre, autorizando o Poder Executivo alterar as alíquotas de tributos, ou seja, de maneira infralegal, quanto a alguns impostos de competência da União Federal (Imposto de Importação, Imposto de Exportação, Imposto sobre Produtos Industrializados e Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio, Seguro e Títulos ou Valores Mobiliários). Desse modo, quaisquer outras alterações de alíquotas, por meios infralegais, são inconstitucionais, ante o silêncio eloquente da Carta.

Portanto, o Poder Executivo do Estado de Minas Gerais não poderia, sob pena de inconstitucionalidade, majorar a alíquota de ICMS por decreto. Isso porque a CR/88 não autoriza qualquer alteração de alíquotas de ICMS por meio de decretos estaduais, seja como aumento ou redução, já que é diminuto o rol de impostos em que tal providência é permitida, como visto.

Reforça essa tese o parágrafo 6º do artigo 150 da CF/88, ao prever que “qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g”.

Conforme se depreende da leitura do art. 155, § 2.º, XII, g” pode se concluir que somente lei complementar poderá “regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados”.

Assim, os artigos 150, § 6º e 155, § 2.º, XII, g” da CR/88 reforça o argumento de que as possibilidades de redução de alíquotas de tributos via decreto, de modo a aumentar a carga tributária anteriormente prevista, são apenas aquelas expressamente apontadas na própria CR/88, com exclusão de todas as outras.

A Lei Estadual nº 6.765/75, legislação que rege sobre ICMS no Estado de Minas Gerais, estabelece na alínea “b” do inciso I do art. 12, as mercadorias sujeitas a tributação na alíquota de 12%. Vejamos:

“Art. 12. As alíquotas do imposto, nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, são:

(…)

  1. b) 12% (doze por cento), na prestação de serviço discriminada no item b.4 e nas operações com as seguintes mercadorias:

b.1) arroz, feijão, fubá de milho, farinha de milho e farinha de mandioca, quando de produção nacional;

b.2)

b.3) máquinas, aparelhos e equipamentos industriais e máquinas, equipamentos e ferramentas agrícolas, observados os prazos, a relação das mercadorias alcançadas, as condições e a disciplina de controle estabelecidos em regulamento;

b.4) prestação de serviço de transporte aéreo, inclusive de passageiros, a partir de 1º de janeiro de 1997;

b.5) medicamentos, observada a relação de produtos, bem como os prazos, a forma, as condições e a disciplina de controle estabelecidos em regulamento;

b.6) leite não acondicionado em embalagem própria para consumo”.

Além disto, a Lei Estadual nº 6.765/75 estabelece em alguns dispositivos, de forma inconstitucional, contrariando o art. 155, § 2.º, XII, g” da CR/88,  autorização para que o Poder Executivo reduza a alíquota de ICMS em até 12%. São os seguintes dispositivos que estabelecem esta autorização: parágrafos 9º, 18º, 22º, 23º (estabelecimento industrial de ferro e aço), 24º (indústria de laje, telha, calha, etc.), 28º (veículos automotores), 30º (diversos produtos), 35º (ferro fundido, ferro, aço), 40º (tubo de aço a irrigação); 41º (mercadorias vendidas a hospitais e órgãos públicos), 43º (cachaço e aguardente de cana); 44º (álcool para fins carburantes); 45º (bolsa para coleta de sangue), 48 (venda de produto cujo insumo seja produto reciclável), 53º (Máquinas, aparelhos e materiais elétricos, outros, etc.), 75º (bicicleta e partes), todos do art. 12.

O conteúdo dos dispositivos retro mencionados é literal ao estabelecer que ao Poder Executivo fosse transmitida a competência para reduzir as alíquotas do ICMS sobre algumas mercadorias. Como não existe qualquer autorização da CR/88 que permita o aumento ou redução das alíquotas de ICMS pelo Poder Executivo, a inconstitucionalidade está nos dispositivos legais citados, ainda que essa inconstitucionalidade também macule os decretos dele decorrentes.

Com base com retro mencionado, a primeira conclusão a que se chega, portanto, é a de que o aumento das alíquotas de ICMS por Decreto tem fundamento em dispositivos legais flagrantemente inconstitucionais, por autorizarem o Poder Executivo a concederem incentivos fiscais e revoga-los.

Entretanto, da afirmativa acima não é possível concluir que os contribuintes deverão recolher os montantes a título de ICMS na alíquota de 18%, pois os Decretos que reduziram as alíquotas para 12% seriam inconstitucionais. Além disto, o inciso II do art. 12 da Lei Estadual nº 6.765/75 estabelece as mercadorias que estarão sujeitas a alíquota de 12%.

Além disso, não seria acertada eventual tentativa do Estado de Minas Gerais de tentar cobrar as contribuições que deixaram de ser recolhidas nos últimos 5 (cinco) anos porque, além do quanto dito acima, os contribuintes se valeram de uma posição oficial do Governo Estadual quanto à intributabilidade na alíquota de ICMS em percentual superior a 12%, manifestada por Decretos. Desse modo, os contribuintes estão protegidos pela confiança legítima que depositaram nessa legislação, sendo defeso ao Fisco valer-se de sua torpeza para cobrar algo de questionável legitimidade.

Colaciona abaixo alguns precedentes do Supremo Tribunal Federal que entendem pela inconstitucionalidade da utilização de Decreto quando a CR/88 determina que seja realizado por lei em sentido estrito:

“A criação de nova maneira de recolhimento do tributo, partindo-se de estimativa considerado o mês anterior, deve ocorrer mediante lei no sentido formal e material, descabendo, para tal fim, a edição de decreto, a revelar o extravasamento do poder regulamentador do Executivo.” (RE 632.265, rel. min. Marco Aurélio, julgamento em 18-6-2015, Plenário, DJE de 5-10-2015, com repercussão geral.)

“O Tribunal reconheceu a existência de repercussão geral da matéria debatida nos presentes autos, para reafirmar a jurisprudência desta Corte, no sentido de que a Anotação de Responsabilidade Técnica, instituída pela Lei 6.496/1977, cobrada pelos Conselhos Regionais de Engenharia, Arquitetura e Agronomia, tem natureza jurídica de taxa, sendo, portanto, necessária a observância do princípio da legalidade tributária previsto no art. 150, I, da Constituição. Em consequência, conheceu do recurso extraordinário, desde já, mas lhe negou provimento.” (ARE 748.445, rel. min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 31-10-2013, Plenário, DJE de 12-2-2014, com repercussão geral.)

“É inconstitucional a majoração do IPTU sem edição de lei em sentido formal, vedada a atualização, por ato do Executivo, em percentual superior aos índices oficiais.” (RE 648.245, rel. min. Gilmar Mendes, julgamento em 1º-8-2013, Plenário, DJE de 24-2-2014, com repercussão geral.) VideRE 234.605, rel. min. Ilmar Galvão, julgamento em 8-8-2000, Primeira Turma, DJ de 1º-12-2000.

Além de inconstitucional, o Decreto nº 46.859/2015, que revogou o benefício fiscal de ICMS, acarretando aumento do valor do tributo a recolher, é ilegal por ofensa ao inciso II do art. 97 da CTN.  O inciso II do art. 97 do CTN estabelece que “somente a lei pode estabelecer a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65.

Diante de todo exposto e provado do decorrer deste artigo cabe concluir que todas os contribuintes que passaram a ser tributados pelo Estado de Minas Gerais na alíquota majorada de12% para 18%, com base no Decreto nº 46.859/2015, poderá ingressar na Justiça requerendo que seja declarado a inconstitucionalidade e ilegalidade deste decreto, e que seja aplicada a alíquota de ICMS no percentual anterior a este Decreto, isto é, ao percentual de 12%. Além disto, os contribuintes que já foram onerados com esta tributação poderão requerer a restituição ou compensação dos valores pagos a maior.

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