O governo federal, diante do isolamento imposto à população, vem editando diversas medidas dispondo providências para enfrentar a COVID-19, auxiliando as empresas com alternativas que as possibilite continuar com suas atividades e manter os contratos de trabalho, evitando assim uma dispensa em massa.
Recentemente foi editada a Medida Provisória (MP) 936/2020 dispondo acerca da possibilidade de suspensão do contrato de trabalho e redução de salários e jornada laboral, por meio de acordo individual, para empregados que auferem até três salários mínimos e aos empregados portadores de diploma de nível superior e remuneração igual ou superior a duas vezes o teto dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.
Diante destas previsões legais, foi proposta a Ação Direta de Inconstitucionalidade, a ADIn 6363, pelo Partido Rede Sustentabilidade, impugnando as reduções e suspensões acima referidas, alegando que a previsão de acordo individual, sem negociação coletiva, é inconstitucional, afrontando os arts. 7º, VI, XIII e XXVI, e 8º, III e VI, da Constituição.
Foi exarada decisão liminar monocrática pelo STF, nos autos da ADI 6363, deferindo em parte o pedido nos seguintes termos:
(…) defiro em parte a cautelar, ad referendum do Plenário do Supremo Tribunal Federal, para dar interpretação conforme à Constituição ao § 4º do art. 11 da Medida Provisória 936/2020, de maneira a assentar que “[os] acordos individuais de redução de jornada de trabalho e de salário ou de suspensão temporária de contrato de trabalho […] deverão ser comunicados pelos empregadores ao respectivo sindicato laboral, no prazo de até dez dias corridos, contado da data de sua celebração”, para que este, querendo, deflagre a negociação coletiva, importando sua inércia em anuência com o acordado pelas partes.
Vamos analisar a decisão do STF sob o âmbito legal e prático.
A MP 936/20 e a Constituição Federal de 1988 – Inexistência de violação ao texto constitucional
Primeiramente cumpre ressaltar que estamos diante de um dispositivo constitucional e um dispositivo legal, sendo que o primeiro prevê a irredutibilidade do salário e o segundo dispõe sobre alteração contratual e limites a serem observados.
Quando se fala em redução do salário dos empregados e manutenção das mesmas condições de trabalho, verifica-se um desequilíbrio entre prestação e contraprestação, ocasionando de fato uma violação ao texto constitucional se não houver negociação coletiva.
A Constituição Federal pretendeu, no que tange ao tema, que a participação do Sindicato equilibrasse a negociação entre empregador e empregado, assegurando uma maior proteção ao trabalhador e evitando decisões arbitrárias das empresas.
A Constituição guarda, portanto, sob o manto da negociação coletiva, a possibilidade de redução do salário quando não decorre ela da alteração de condições de trabalho.
Por outro lado, a MP 936/20, disposição legal, assim como a CLT, vem regulamentar as hipóteses nas quais poderá haver alterações no contrato de trabalho, ainda que com redução no valor do salário, respeitando o limite constitucional de um salário mínimo previsto no inciso IV do art. 7º da CF.
Exemplificando as hipóteses de alteração do contrato de trabalho na CLT e consequente variação salarial, constata-se a autorização legal de fixação da remuneração por tarefa, nos termos do art. 78 da CLT, o salário variável aplicado ao contrato intermitente (art. 443, § 3º, da CLT), e ainda até mesmo a possibilidade de o empregado não receber qualquer remuneração como na hipótese do seu afastamento, tendo o contrato de trabalho suspenso, não exercendo as atividades e também não auferindo qualquer valor (art. 471 e seguintes).
A Medida Provisória impugnada pela Adin 6363 confere à empresa e aos empregados, por meio de acordo individual, a prerrogativa de redução da jornada de trabalho com a proporcional redução do salário, estipulando faixas de redução da jornada em 25% (vinte e cinco), 50% (cinquenta), 70% (setenta). Há ainda a hipótese de a empresa não efetuar pagamento algum se adotar a suspensão do contrato de trabalho.
Em contrapartida, as condições de trabalho também serão alteradas, eis que será reduzida, proporcionalmente, a jornada de trabalho, assemelhando-se às hipóteses já previstas na CLT. Além do mais, foram estabelecidos valores a ser repassados pelo governo aos empregados que tiveram redução salarial. Estes valores equivalem à porcentagem retirada pelo empregador, porém tendo como base de cálculo o seguro desemprego a que teria direito o empregado. As perdas salariais serão mínimas para a maioria dos empregados brasileiros que recebem o salário mínimo ou pouco mais do que este valor.
Desta forma, é possível constatar que a MP 936/20 não afrontou os artigos constitucionais referentes à irredutibilidade salarial, seja pelo prisma da competência legislativa, aspecto formal (MP, nos termos do artigo 62 da Constituição, possui força de lei para estabelecer hipóteses de alteração lícita do contrato de trabalho), seja sobre o aspecto material de proporcionalidade da medida, tendo em vista o estado de calamidade decretado.
O Contexto fático no qual a MP 936/20 foi editada – Situação emergencial – Impossibilidade de observação literal da norma
Importante ponderar que o País enfrenta uma calamidade pública de grandes proporções, reconhecida como tal pelo Decreto Legislativo 6/2020, expedido em meio a uma pandemia resultante da disseminação da Covid-19. A rápida expansão dessa doença motivou a promulgação da Lei 13.979/2020, que prevê a adoção de medidas excepcionais, no campo sanitário, para combatê-la.
Vejamos que a opção disponibilizada na MP permitindo a suspensão do contrato de trabalho e a redução de jornada e salário por acordo individual é a única passível de solucionar o grave problema social decorrente da paralisação da economia.
No cenário atual, em que as empresas estão sem operação, obrigadas a paralisar qualquer atividade, fato é que muitas destas empresas não terão caixa nem mesmo para efetuar os pagamentos de salário do mês de março. Sendo assim, justamente para não se agravar a possível situação de miserabilidade, caso os trabalhadores não recebam salários, a MP veio prever uma contrapartida do governo federal para complementar um valor razoável do salário dos empregados, e veio permitir que as empresas, ao reduzir a folha de pagamento, possam continuar abertas e garantindo a estabilidade dos empregos neste período.
É sabido que negociações coletivas demandam convocações para assembleia, aglomeração de pessoas e um tempo para ser concretizada. Aglomeração é algo que está sendo rigorosamente evitado (não são todos os Sindicatos que têm estrutura de tecnologia virtual) e tempo é algo que não temos diante do cenário atual. As decisões devem ser tomadas com urgência.
A MP não excluiu o Sindicato das tratativas entre empregados e empregadores, eis que prevê que as entidades sindicais sejam comunicadas em 10 (dez) dias dos acordos firmados.
Todavia, se for observada a literalidade da norma, de que deve haver participação do Sindicato e de todos os procedimentos cabíveis inerentes, condicionando a validade dos acordos à concordância sindical, estaremos diante de uma lei inócua, sem aplicabilidade, pois o processo sindical requer tempo, o que invalidaria a própria MP, eis que seria ineficaz.
Se avaliarmos bem a MP prevendo acordo individual, será possível concluir que estão sendo resguardados os princípios fundamentais do art. 1º da CF, como a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Uma vez firmado este acordo, será garantido à grande maioria dos empregados o pagamento de salário no valor aproximado ao devido, a estabilidade no emprego em tempos de crise, e ainda vai permitir às empresas continuarem mantendo as portas abertas até o fim do estado de calamidade pública.
O STF deve rever exigência de aval do Sindicato para renegociar contratos
A decisão liminar do STF criou uma nova condição à aplicabilidade da MP 936/20 ao determinar que os Sindicatos possam deflagrar uma negociação coletiva após ser informados dos acordos realizados por empresas e empregados.
Referida decisão coloca em risco a manutenção da norma, gerando extrema insegurança jurídica e abrindo brechas para que milhões de empregados pleiteiem na justiça diferenças salariais não pagas no período de crise.
Conforme ressaltado anteriormente, caso o Sindicato notificado não concorde com os acordos firmados e pretenda convocar uma negociação coletiva, todo o processo de planejamento para os pagamentos dos empregados será postergado, gerando um prejuízo sem precedentes.
A liminar será analisada pelo plenário, no dia 14 de abril, e pode ser revista neste ponto para a retirada dessa brecha jurídica que ameaçaria os acordos trabalhistas firmados durante a crise.
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