Em decisão mais recente, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Recurso Especial n° 1.190.231, Relator Sergio Kukina, DJE 11/05/16, em decisão unânime, entendeu que não configura fato gerador de IPI a mera saída de mercadoria de estabelecimento comercial, sem a consequente operação mercantil, na hipótese em que as mercadorias são roubadas antes da entrega ao comprador.
No caso sub-judice, a Souza Cruz S.A. ajuizou ação ordinária objetivando anular auto de infração lavrado por falta de lançamento do IPI relativo à saída de 1.200 caixas de cigarros de sua fábrica, destinados à exportação, que, todavia, foram roubados durante o transporte entre São Paulo e Mato Grosso.
A companhia defendeu que inexiste a incidência do IPI se, após a saída dos produtos industrializados destinados ao exterior, ocorrer fato que impeça a ultimação da operação que motivou a saída do produto industrializado, como o furto ou o roubo das mercadorias.
A ação foi inicialmente julgada improcedente pelo juiz de primeira instância, ao fundamento de que, apesar de não ter sido consumada a exportação, ocorreu o fato gerador descrito na norma (art. 46, inciso II, do CTN), ou seja, tendo ocorrido a saída do estabelecimento, torna-se devida a cobrança do IPI.
A decisão de primeiro grau foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF 2). Os desembargadores também entenderam que a saída da mercadoria do estabelecimento é o fato gerador do IPI e que somente se concretizada a exportação faria jus o contribuinte à imunidade, nos termos do artigo 153, § 3º, III, da CF/88. Vejamos:
“TRIBUTÁRIO. IPI (DEC. Nº 87981/82, ARTS. 3º, 46, 47, 51, 105, 110, 116, DO CTN) ALEGAÇÃO DE IMUNIDADE (ART. 153, § 3o., III, CF/88). VENDA PARA O EXTERIOR (ARTS. 620, 1122 E 1627, DO CCB). ROUBO DA MERCADORIA NO DESTINO. MERCADORIA SEGURADA. INDENIZAÇÃO RECEBIDA. AUTUAÇÃO REALIZADA DURANTE FISCALIZAÇÃO À EMPRESA. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 12, DA LEI Nº 7798/89 E 174, DO RIPI, ART. 145, § Io. e 153, § 3o, III, DA CF/88). 1. Aplicação da regra insculpida no Decreto n° 87981/82, regulamento do IPI vigente à época do fato gerador, conforme os artigos 144 e 47, II, a, ambos do CTN. 2. As questões pertinentes à isenção e imunidade se interpretam literalmente (artigo 111, do CTN c/ art. 153, § 3o., III, da CF/88). 3. No que se refere à invocação dos artigos 620, 1122 e 1627, do CCB, se por um lado a legislação tributária não pode alterar as normas ali contidas, por outro, também não se pode opor as convenções particulares à Fazenda Pública, nos termos do artigo 123, do CTN. 4. A saída da mercadoria do estabelecimento é o fato gerador do IPI, in casu, e, somente se concretizando a exportação faria jus o contribuinte á imunidade, nos termos do artigo 153, § 3o, 111, da CF/88. Precedentes do STJ. 5. Afastadas as alegadas violações aos artigos 145, § Io; 150, II, da CF; art. 3o. do CTN; artigo 12, da Lei n° 7798/89 e artigo 174, do RIPI, eis que a cobrança, in casu, obedece aos moldes da lei. 5. Recurso improvido.”
A companhia, irresignada, interpôs recurso extraordinário ao STF e recurso especial ao STJ. No recurso especial, dentre outros argumentos, defendeu que a efetivação do negócio mercantil é pressuposto da base de cálculo do IPI, o que não ocorreu em razão do roubo das mercadorias.
Em decisão monocrática, o relator do caso, ministro Sérgio Kukina, deu provimento ao recurso especial da companhia. Ele fundamentou a decisão em julgados do STJ no sentido de que não se deve confundir o momento temporal da hipótese de incidência com o fato gerador do tributo, que consiste na realização de operações que transfiram a propriedade ou posse de produtos industrializados. A mera saída do produto do estabelecimento industrial não é fato gerador do IPI, mas apenas o momento temporal da hipótese de incidência, fazendo-se necessária a efetivação da operação mercantil subsequente.
Cabe ressaltar que o STJ já examinou caso através do Recurso Especial n° 1.203.236/RJ, no qual se firmou o posicionamento de que: “O fato gerador do IPI não é a saída do produto do estabelecimento industrial ou a ele equiparado […] Esse é apenas o momento temporal da hipótese de incidência, cujo aspecto material consiste na realização de operações que transfiram a propriedade ou posse de produtos industrializados”. Daí por que se concluiu que: “A obrigação tributária nascida com a saída do produto do estabelecimento industrial para entrega futura ao comprador, portanto, com tradição diferida no tempo, está sujeita a condição resolutória, não sendo definitiva nos termos dos arts. 116, II, e 117 do CTN […] Não há razão para tratar, de forma diferenciada, a desistência do comprador e o furto ou o roubo da mercadoria, dado que em todos eles a realização do negócio jurídico base foi frustrada” (Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 21/6/2012, DJe 30/8/2012).
Nessa mesma linha:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – IPI – FATO GERADOR – ROUBO DE MERCADORIA – VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC NÃO CARACTERIZADA – NECESSIDADE DE EFETIVA OPERAÇÃO MERCANTIL – RECURSO PROVIDO – 1. Não ocorre ofensa ao art. 535, II, do CPC, se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide. 2. A mera saída de mercadoria do estabelecimento comercial ou a ele equiparado não caracteriza, por si só, a ocorrência do fato gerador do IPI, fazendo-se necessária a efetivação de operação mercantil, à luz do que dispõe o art. 46, II, do CTN, c/c o art. 153, §3º, II, da CF/88. 3. Mudança de entendimento da Segunda Turma (REsp 1203236/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, Dje 30/08/2012) 3. Hipótese em que a mercadoria foi objeto de roubo após saída do estabelecimento comercial. 4. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 1184354/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/5/2013, DJe 3/6/2013)
Portanto, cabe concluir que não configura fato gerador de IPI a mera saída de mercadoria de estabelecimento comercial, sem a consequente operação mercantil, na hipótese em que as mercadorias são roubadas antes da entrega ao comprador.